Mulheres na Ciência: as vozes silenciadas pelo machismo

Marcelo Vivacqua

Marcelo Vivacqua

- uma homenagem à brilhantes (e esquecidas) Cientistas  que contribuiram para o progresso da Humanidade em diversas àreas.

A história da ciência, tal como tradicionalmente narrada, é predominantemente masculina. Por trás dessa narrativa, no entanto, existe um vasto legado de contribuições femininas sistematicamente omitidas, negligenciadas ou atribuídas a homens.

Como Cientista Doutor em Biotecnologia e Inventor de diversas soluções que melhoraram a vida dos animais. e que já trabalhou com várias mulheres talentosas resolvi homenageá-las com este artigo que busca resgatar algumas dessas vozes silenciadas, explorando suas contribuições, o contexto de machismo que as envolveu e, quando existente, seu reconhecimento tardio, com um destaque especial para uma cientista brasileira que enfrentou esse mesmo destino.

A ABIPIR, entidade que sou Fundador e Presidente, ao longo dos seus 13 anos de existência sempre primou pela inclusão e diversidade em todas as suas atividades

Introdução: o apagamento histórico das mulheres na ciência

A história da ciência foi construída através de um viés de gênero profundamente enraizado, que sistematicamente omitiu, minimizou ou apropriou-se das contribuições intelectuais das mulheres. Dos 881 Prêmios Nobel de Ciência concedidos até 2015, apenas 48 (5%) foram para mulheres, muitas deles somente após suas mortes.

Este apagamento não foi acidental, mas sim resultado de uma estrutura sociocultural machista que durante séculos impediu o acesso pleno das mulheres à educação científica, desvalorizou seu trabalho e atribuiu suas descobertas a colegas masculinos. Até hoje, as mulheres cientistas enfrentam barreiras estruturais - recebendo em média 30% menos que os homens mesmo com mais anos de estudo - e precisam lutar contra estereótipos que as colocam em posição de inferioridade intelectual.

Este artigo resgata as trajetórias de algumas dessas cientistas brilhantes, cujo trabalho fundamental foi obscurecido pelo machismo de suas épocas, explorando não apenas suas contribuições, mas também os mecanismos sociais que perpetuaram seu anonimato.

Pioneiras anônimas: mulheres cujas descobertas moldaram a ciência

Rosalind Franklin (1920-1958) elucidou a estrutura helicoidal do DNA através de difração por raios-X, produzindo a famosa "Fotografia 51" que revelava claramente a estrutura de dupla hélice. Seus dados foram utilizados sem sua autorização por James Watson e Francis Crick, que publicaram a descoberta na Nature em 1953. Franklin foi meramente mencionada em uma nota de rodapé como tendo "influenciado" suas reflexões. Somente décadas após sua morte sua contribuição crucial começou a ser amplamente reconhecida. Watson e Crick receberam o Nobel em 1962 sem sequer mencioná-la em seus discursos.

Henrietta Swan Leavitt (1868-1921) descobriu a relação período-luminosidade das estrelas variáveis Cefeidas, permitindo calcular distâncias interestelares e abrindo caminho para a descoberta da expansão do universo. Trabalhava como "computadora humana" no Harvard College Observatory por salários miseráveis, sem direito a realizar suas próprias pesquisas. Seu trabalho era considerado mera "coleta de dados". Quando alguém finalmente propôs seu nome para o Nobel, ela já estava morta há quatro anos. Hoje tem uma cratera lunar com seu nome.

Maria Kirch (1670-1720) descobriu um cometa em 1702 e contribuiu significativamente para a astronomia alemã do século XVIII. Teve que trabalhar sempre à sombra de homens - primeiro seu marido, depois outro astrônomo, e finalmente seu próprio filho. Sua autoria foi sistematicamente atribuída a outros. Um asteroide foi batizado em sua homenagem postumamente.

Ada Lovelace (1815-1852) desenvolveu o primeiro algoritmo destinado a ser processado por uma máquina, tornando-se pioneira da programação de computadores. Seu trabalho foi historicamente atribuído a Charles Babbage, que ficou conhecido como "o pai do computador". Durante mais de um século, sua contribuição foi minimizada como sendo meramente "tradução" de textos alheios. Somente na década de 1950 suas notas foram republicadas, e hoje é reconhecida como a primeira programadora da história.

Lise Meitner (1878-1968) co-descobriu a fissão nuclear em 1938, abrindo caminho para a energia nuclear e as bombas atômicas. Seu colega Otto Hahn recebeu sozinho o Nobel de Química de 1944 por essa descoberta, apesar de suas contribuições fundamentais. Como judia, foi forçada a fugir da Alemanha nazista. O elemento 109 da tabela periódica foi batizado de meitnério (Mt) em sua homenagem.

Emmy Noether (1882-1935) desenvolveu o Teorema de Noether, fundamental para a física teórica moderna, e fez contribuições revolucionárias para a álgebra abstrata. Trabalhou por 25 anos sem receber salário na Universidade de Göttingen, onde colegas homens argumentavam que não podiam ter uma "mulher docente". Foi considerada por Einstein como "o gênio criativo mais significativo da matemática desde que a educação superior para mulheres começou".

Esther Lederberg (1922-2006) foi pioneira da genética microbiana, descobriu o bacteriófago lambda e desenvolveu a técnica de replicação em placas. Seu marido, Joshua Lederberg, recebeu sozinho o Nobel de 1958 por trabalhos que foram colaborativos, enquanto ela sequer foi mencionada.

Bertha Lutz (1894-1976) - A Brasileira Esquecida foi muito mais do que uma líder sufragista e diplomata. Zoóloga de formação, formada com honras na Sorbonne, tornou-se uma das primeiras mulheres brasileiras a ocupar um cargo público de destaque na área científica, trabalhando no Museu Nacional do Rio de Janeiro.

Suas pesquisas em anfíbios anuros (sapos, rãs e pererecas) foram pioneiras, descobrindo diversas novas espécies. Apesar de sua excelência acadêmica, enfrentou resistência machista constante em sua carreira científica, sendo frequentemente lembrada apenas como "ativista feminista" enquanto suas contribuições científicas eram minimizadas. Seu trabalho foi fundamental para o avanço da herpetologia no Brasil, mas seu reconhecimento como cientista permaneceu ofuscado por sua atuação política até recentemente.

O caso do projeto Manhattan: as cientistas "invisíveis" da bomba atômica

O Projeto Manhattan (1942-1946), iniciativa ultra-secreta que desenvolveu a primeira bomba atômica, empregou dezenas de mulheres cientistas cujas contribuições permaneceram praticamente invisíveis na história oficial.

Entre elas destacava-se a física teórica Maria Goeppert-Mayer (futura ganhadora do Nobel de Física de 1963), que trabalhou na separação de isótopos de urânio; a matemática e física Joan Hinton, que trabalhou no reator nuclear de Chicago; e a química e física experimental Chien-Shiung Wu, que desenvolveu importantes técnicas de detecção de radiação.

Apesar de suas contribuições técnicas essenciais, essas mulheres enfrentaram discriminação salarial e hierárquica, recebendo em média menos da metade do salário de colegas homens com qualificações equivalentes. Muitas foram relegadas a posições de assistentes ou técnicas, mesmo quando possuíam doutorados. Seus nomes raramente apareciam em relatórios importantes, e suas ideias eram frequentemente atribuídas a supervisores masculinos.

O caso da cientista asiático-americana Youyou Tu (não diretamente envolvida no Projeto Manhattan, mas emblemática do apagamento de mulheres não-europeias) merece menção: ela descobriu a artemisinina para tratamento da malária, mas só recebeu o Nobel em 2015, décadas após sua descoberta, após o trabalho ter sido inicialmente creditado a equipes masculinas.

Mecanismos do apagamento: como o machismo operou na ciência

O apagamento das mulheres da história científica não foi incidental, mas resultou de mecanismos estruturais específicos. A apropriação de trabalhos foi uma prática comum, onde dados e ideias eram frequentemente roubados ou apropriados por colegas masculinos que detinham posições de poder. As barreiras educacionais e profissionais impediam o acesso pleno das mulheres, que eram excluídas de universidades, laboratórios e sociedades científicas, ou permitidas apenas como assistentes não remuneradas.

Estudos mostram que trabalhos de mulheres são menos citados mesmo quando de mesma qualidade, criando um ciclo de invisibilidade conhecido como viés de citação. O chamado Efeito Matilda, nomeado em homenagem à sufragista Matilda Joslyn Gage, descreve a negação sistemática da contribuição de mulheres científicas cujo trabalho é atribuído a colegas masculinos. A dupla penalização da maternidade também criava obstáculos intransponíveis para muitas cientistas, combinando expectativas sociais sobre cuidados familiares com a cultura científica de dedicação exclusiva.

O "efeito tesoura" na Ciência contemporânea

Mesmo hoje, o machismo na ciência assume formas mais sutis mas não menos danosas. A pesquisa "Gênero e o efeito tesoura na ciência brasileira", publicada em 2023, analisou 8.877.626 pessoas ao longo de 15 anos e identificou que há uma redução progressiva da presença feminina conforme se avança na carreira científica, resultando em invisibilidade em posições de prestígio e poder.

Este fenômeno - batizado de "efeito tesoura" - mostra que, embora as mulheres sejam maioria entre estudantes de graduação e pós-graduação, sua representatividade diminui drasticamente em cargos de liderança e instâncias decisórias. Os autores demonstram que essa queda não se deve apenas à maternidade ou à produtividade científica, mas a um conjunto de barreiras estruturais que perpetuam desigualdades de gênero no campo científico.

Muitas Cientistas relatam que mesmo em posição de destaque ainda sofre com interrupções constantes ("manterrupting") e explicações desnecessárias ("mansplaining") por parte de colegas homens.

Reconhecimento tardio: reparação inacabada

Algumas cientistas receberam formas simbólicas de reconhecimento postumamente, como o batismo de elementos celestes - asteroides e crateras em homenagem a Kirch, Leavitt e outras - ou nomes em elementos químicos, como o meitnério para Lise Meitner. Foram criados prêmios e fundações com nomes de cientistas femininas para incentivar novas gerações, e uma revisão histórica através de biografias, documentários e exposições recuperou suas trajetórias.

Entretanto, este reconhecimento permanece insuficiente e simbólico. A infraestrutura acadêmica continua dominada por homens no Brasil e os mecanismos de exclusão persistem de formas atualizadas.

Conclusão: reescrevendo o futuro reescrevendo o passado

A recuperação das histórias das mulheres cientistas ocultadas pela história não é meramente um exercício de justiça histórica, mas uma condição necessária para transformar a própria prática científica. É necessário recontar a história por uma ótica feminista, isto significa que precisamos trazer a público todas as mulheres que deram grandes contribuições para a evolução da humanidade porque, infelizmente, nossa história é contada a partir de heróis homens.

Superar este legado de exclusão requer mais do que reconhecimento simbólico - exige mudanças institucionais profundas: políticas de equidade na autoria de artigos, comitês de premiação diversos, licenças-parentais equitativas, e uma vigilância constante contra os vieses implícitos que continuam a distorcer nossa percepção do talento científico.

A história de mulheres como Rosalind Franklin, Lise Meitner, Henrietta Leavitt e Bertha Lutz nos lembra que o progresso científico nunca foi - e não é - resultado apenas de "gênios isolados", mas de coletivos diversos cujas contribuições foram sistematicamente silenciadas por estruturas de poder excludentes. Recuperar suas vozes não é apenas fazer justiça ao passado, mas enriquecer nosso presente e futuro científicos.

Fica aqui o conselho para as novas gerações: meninas e mulheres na Ciência, sigam sua paixão e enfrentem obstáculos juntas. Sozinhas vocês podem ir mais rápido, mas juntas irão mais longe".